24/05/25

POEMA DO AFINAL - António Gedeão

No mesmo instante em que eu, aqui e agora,

Limpo o suor e fujo ao Sol ardente,

Outros, outros como eu, além e agora,

Estremecem de frio e em roupas se agasalham.

 

Enquanto o Sol assoma, aqui, no horizonte,

E as aves cantam e as flores em cores se exaltam,

Além, no mesmo instante, o mesmo Sol se esconde,

As aves emudecem e as flores cerram as pétalas.'

 

'Enquanto eu me levanto e aqui começo o dia,

Outros, no mesmo instante, exatamente o acabam.

Eu trabalho, eles dormem; eu durmo, eles trabalham.

Sempre no mesmo instante.

 

Aqui é Primavera. Além é Verão.

Mais além é Outono. Além, Inverno.

E nos relógios igualmente certos,

Aqui e agora,

O meu marca meio-dia e o de além meia-noite.

 

Olho o céu e contemplo as estrelas que fulgem.

Busco as constelações, balbucio os seus nomes.

Nasci a olhá-las, conheço-as uma a uma.

São sempre as mesmas, aqui, agora e sempre.

 

Mas além, mais além, o céu é outro,

Outras são as estrelas, reunidas

Noutras constelações.

 

Eu nunca vi as deles;

Eles

Nunca viram as minhas.

 

'A Natureza separa-nos.

E as naturezas.

A cor da pele, a altura, a envergadura,

As mãos, os pés, as bocas, os narizes,

A maneira de olhar, o modo de sorrir,

Os tiques, as manias, as línguas, as certezas.

 

Tudo.

Afinal

Que haverá de comum entre nós?

Um ponto, no infinito.»'

EU QUERO APENAS